terça-feira, 28 de abril de 2015

INICIAÇÃO NO JARDIM E INICIAÇÃO NA CIDADE


Iniciação no Jardim e Iniciação na Cidade
Excerto do capítulo Iniciação no Jardim e Iniciação na Cidade, da obra O Discurso de Sintra, de Rémi Boyer

«A Rosa-Cruz é o protótipo da Iniciação no Jardim, que se distingue da Iniciação na Cidade, da qual a Maçonaria é a expressão mais visível e a mais invasora. É no mínimo paradoxal, e até um contra-senso, que muitas sociedades iniciáticas construídas sobre o modelo hierarquizado da Maçonaria se reivindiquem da Rosa-Cruz.

Esta distinção, Iniciação no Jardim, Iniciação na Cidade, não deixa de lembrar a oposição clássica entre a filosofia do Jardim, de que a principal figura é Epicuro, e a filosofia na Cidade, incarnada por Platão, mas não pode ser reduzida apenas a esta oposição. Lembremo-nos também que Descartes – que não foi o único – quis negar que a Natureza fosse uma deusa. A Iniciação no Jardim não é cartesiana, mas também não afirma que a Natureza seja uma deusa; entre as duas, faz uma escolha por livre vontade de encantamento.

A Iniciação na Cidade assenta na pavimentação, no trabalho da pedra, na construção pedra sobre pedra, na repetição da forma, no seu apuramento, na sua rectificação com vista à edificação.

A Iniciação no Jardim é uma arte da tecitura, da malhagem, da trama, da criatividade, da mutação e da travessia das formas.

A replicação está no âmago da Iniciação na Cidade, que visa a permanência das formas, a sua duração, o seu prolongamento, a sua reprodução idêntica. Uma tal iniciação releva da imitação, mas voltaremos a este ponto. O que é antigo é celebrado. Este processo iniciático está inscrito na memória, na cultura na temporalidade. O processo iniciático posto em prática no Jardim é, pelo contrário, uma celebração do instante, do imediato, um reconhecimento do efémero, da impermanência e do intemporal. (…)

O Jardim é aberto, mas ao passo que o iniciado da Cidade se mostra e se demonstra, o iniciado do Jardim oculta-se. “Para vivermos livres, vivamos ocultos”, diz o Mestre Jardineiro. Ninguém sabe exactamente onde começa e onde acaba o Jardim. Ele manifesta a Liberdade que caracteriza o Ente em si. A errância é aí encorajada. No Jardim, não há objecto iniciático em si e objecto não-iniciático. Qualquer situação pode beneficiar de um tratamento iniciático. Não é a situação externa e interna que importa, mas sim a relação de consciência mantida com a situação, que a torna a própria matéria da Obra. Privilegia-se a prática. “Se a doutrina te incomoda, rejeita a doutrina, mas aprofunda a prática”, sugere ainda o Mestre Jardineiro.  (…)

A aparente oposição entre a Cidade e o Jardim é o fruto do erro perceptual dualista. Convém substituir-lhe o princípio de uma articulação induzida pela própria etimologia da palavra “iniciação”, e instaurar assim uma dialéctica entre praxis e poiesis. A palavra “iniciação” provém do latim initiatio, que, por sua vez, na época greco-romana, traduzia a palavra grega telete. Enquanto a palavra initiatio expressa a ideia de passagem, telete veicula a ideia de finalização, de consumação. Enquanto initiatio se baseia na imitação e na repetição, que é o que fazem os ritos, telete assenta na “libertação da própria libertação”, usando a expressão de Nikos Kazantzaki. Qualquer via começa onde acaba a imitação e a repetição, onde se apaga a organização iniciática. Ela é realmente um abandono das formas, incluindo das formas sagradas que são os ritos, para penetrar o Grande Real.»

Fonte: Incoerismo



quinta-feira, 23 de abril de 2015

A HIPOCRISIA E A SINCERIDADE


Devido ao número maior e crescente de falsos espiritualistas, falsos líderes em falsos caminhos, achamos oportuno a publicação sobre a HIPOCRISIA abaixo atribuida a John Garrigues. ~ R.C.

SOBRE A HIPOCRISIA E A SINCERIDADE

“Tu vês no outro o que há no teu coração.”

Nenhum defeito ilustra melhor este antigo aforismo que o defeito da hipocrisia. Nenhum erro pode ser mais desprezível, nem mais universal. 
O caráter do indivíduo - isto é, o seu carma - faz parte do carma humano e do carma nacional. A falsidade consciente e inconsciente em sua alma é inerente à etapa atual da evolução humana. Mas há uma armadilha sutil presente no ato de estudar e admirar uma filosofia elevada e nobre:  esta prática regular estimula a auto-estima a partir da sua capacidade de compreender e de admirar. O altruísmo é frequentemente um outro nome para a auto-indulgência. A meditação sobre uma filosofia elevada leva inúmeras vezes ao esquecimento do que a meditação é na realidade - apenas meditação. Neste caso, a planta da auto-estima, crescendo desde a lama da natureza humana, produz sutilmente um crescimento tão grande da hipocrisia que chega a ficar  fora de toda proporção.
Tendo obtido algum conhecimento sobre a lei do Carma, o nosso sentimento em relação a quem não compreende esta lei passa a ser - ao invés de compaixão impessoal - um desprezo sorridente, uma vaidosa surpresa diante de tamanha ignorância. 

É muito humano o hábito de recusar-se a pensar em seus próprios defeitos e, com o tempo, hipnotizar a si mesmo passando a acreditar que foram superados.

Mas reconhecer os seus próprios erros, inclusive o da hipocrisia, é muito melhor do que tornar-se hipócrita até para si mesmo, além de ser falso para com o mundo externo. O reconhecimento de um defeito envolve um sofrimento e uma relativa humildade, e isso abre uma brecha pela qual a luz do Espírito pode brilhar na natureza inferior da consciência humana.

Os defeitos não podem ser arrancados por um simples ato de vontade, porque às vezes eles se instalam em cada fibra da natureza. Por outro lado, todas as energias são espirituais, embora estejam sempre em autotransformação.

Portanto, todo o problema pode ser solucionado pela distribuição correta e pelo uso sábio das forças pessoais. Cada energia que se volta para uma finalidade espiritual e altruísta é uma energia drenada das áreas do eu pessoal inferior, e a recíproca é verdadeira. Se as energias pessoais estiverem completamente devotadas a um uso espiritual, o vazamento delas no mundo do eu inferior cessará.

Sem dúvida, há momentos em que a natureza inferior, tendo recebido devido à nossa insensatez uma energia vital vigorosa e maléfica, irá perceber os perigos do jejum e fará uma perigosa ofensiva. Em tais casos, pode ser necessário fazer durante algum tempo um grande esforço de auto-controle. Mas, em geral, a auto-transformação depende de um trabalho construtivo na direção oposta à do erro. São muitos os que, depois de diversos anos ou de uma vida inteira de luta com o eu inferior, apenas se esquecem do eu inferior no serviço altruísta, sem darem atenção a vitória ou derrota pessoais.  

Esse é o caminho mais adequado.

“The Modern Vice”, J.Garrigues.
Fonte em Filosofia Esotérica

domingo, 5 de abril de 2015

Doenças Espirituais Transmissíveis

Doenças Espirituais Transmissíveis
por Mariana Caplan, PhD
Adaptado do “Eyes Wide Open”
Cultivando discernimiento en el Camino Espiritual (Sounds True)

Estamos em uma selva e isto é válido tanto para a vida espiritual, quanto para qualquer outro aspecto da vida. Dá para acreditar realmente que, só por que alguém tenha meditado por cinco anos, ou praticado yoga por dez, seja menos neurótica que outra? Pode ser que seja sim, um pouco mais consciente. Um pouco.

É por esta razão que tenho passado os últimos quinze anos de minha vida investigando e escrevendo livros sobre o cultivo do discernimento no caminho espiritual em todas as áreas arenosas como o poder, o sexo, a iluminação, os gurus, os escândalos, a psicologia, a neurose e as confusas e inconscientes motivações no caminho. Meu companheiro e eu (autor e professor Marc Gafni) estamos desenvolvendo uma nova série de livros, cursos e práticas para lançar mais luz sobre estas questões.

Anos atrás, passei um verão vivendo e trabalhando no Sul da África. Logo que cheguei, senti o choque da realidade visceral na qual me encontrava; um país com a taxa mais alta de assassinato do mundo, onde a violência é comum e mais da metade da população é soropositiva – homens – mulheres – homossexuais – heterossexuais – igualmente.

Como cheguei a conhecer certos de Mestres espirituais e milhares de praticantes através de minhas viagens, me chamou a atenção a forma como nossos pontos de vista espirituais, perspectivas e experiências se encontram igualmente “infectadas” por “contaminações conceituais” – que compreende uma relação confusa e imatura em relação aos princípios espirituais complexos, o que podemos comparar com uma invisível e contagiosa doença sexualmente transmissível.

Os dez pontos abaixo não são definitivos, mas sim uma ferramenta para a tomada de consciência de algumas das doenças espirituais transmissíveis:

1.ESPIRITUALIDADE FAST-FOOD: Misturar espiritualidade com uma cultura que celebra a velocidade, multitarefas e gratificação instantânea, resulta em espiritualidade fast-food; produto da fantasia comum que entende que o alívio do sofrimento da condição humana possa ser rápido e fácil. Uma coisa é certa: a transformação espiritual não pode ter uma solução rápida.

2.FALSA ESPIRITUALIDADE: É a tendência de falar, vestir e atuar da forma que imaginamos que uma pessoa espiritualizada faria. É uma espécie de imitação de espiritualidade que copia a realização espiritual igual ao tecido da pele de leopardo, que imita a verdadeira pele do animal.

3.MOTIVAÇÕES CONFUSAS: Embora nosso desejo de crescer seja puro e genuíno, frequentemente se mistura com motivações menores, como o desejo de ser amado, o desejo de pertencer, a necessidade de preencher o vazio interior, a crença de que o caminho espiritual eliminará nosso sofrimento e a ambição espiritual, o desejo de ser especial e de ser o melhor, de ser o único.

4.A IDENTIFICAÇÃO COM EXPERIÊNCIAS ESPIRITUAIS: Nesta doença, o ego se identifica com a nossa experiência espiritual e a toma como própria; passamos a acreditar que estamos encarnando ideias que surgiram dentro de nós em certos momentos.
Na maioria dos casos, não dura indefinidamente, embora tenda a durar mais tempos naqueles que acreditam ser iluminados e ou atuam como Mestres espirituais.

5.O EGO ESPIRITUALIZADO: Esta doença ocorre quando a estrutura da personalidade egóica se torna profundamente enraizada aos conceitos e ideias espirituais. O resultado é uma estrutura do ego que é “a prova de balas”. Quando o ego se espiritualiza, somos relutantes a ajudar, às novas aberturas e a critica construtiva.
Nos tornamos seres humanos impenetráveis e refratários ao crescimento espiritual, tudo em nome da espiritualidade.

6.PRODUÇÃO EM MASSA DE MESTRES ESPIRITUAIS: Há uma série de tradições espirituais em moda atualmente que produzem pessoas que acreditam pertencerem ao âmbito da iluminação espiritual ou domínio, que está muito além de sua condição atual. Está doença funciona como um cinto espiritual transportador: basta colocar este artifício, alcançar uma visão e pronto! Já se está iluminado e da mesma forma, pronto para iluminar os outros. O problema não é aquilo que os Mestres ensinam, mas o fato de se apresentarem como tendo alcançado a maestria espiritual.

7.ORGULHO ESPIRITUAL: Surge quando o praticante, através de anos de penosos esforços, realmente alcança certo nível de sabedoria e utiliza esta conquista para justificar o fechamento para novas experiências. Uma sensação de “superioridade espiritual” é outro sintoma desta doença espiritual transmissível.
Manifesta-se como uma sutil sensação de que “eu sou melhor do que os outros”.

8.MENTE GRUPAL: doença também conhecida como pensamento de grupo, mentalidade sectária ou mentalidade de culto; a mente de grupo é um vírus insidioso que contém muitos dos elementos tradicionais de co-dependência. Um grupo espiritual possui acordos sutis e inconscientes com relação à forma correta de pensar, falar, vestir, agir. Pessoas e grupos infectados com a “mente de grupo” repelem os indivíduos, as atitudes e circunstancias que não se ajustam às normas não escritas do grupo.

9.O COMPLEXO DE POVO ELEITO: O complexo de pessoas escolhidas, não se limita aos judeus. É a crença de que o nosso grupo é o mais evoluído espiritualmente, potente, inteligente e em poucas palavras, melhor que qualquer outro grupo. Existe uma diferença importante entre o reconhecimento de que alguém tenha encontrado o caminho correto, o mestre ou a comunidade, por si mesmo, e o de ter encontrado o Eleito.

10.O VÍRUS MORTAL: “EU CHEGUEI LÁ”: Esta doença é tão potente que tem a capacidade de ser terminal e mortal para a evolução espiritual. É a crença de que se chegou à meta final do caminho espiritual. O progresso espiritual termina no ponto em que esta crença se cristaliza em nossa psique; no momento em que começamos a acreditar que chegamos ao final do caminho, o crescimento se detém.

“A essência do amor é a percepção, por tanto, a essência do amor a si mesmo é a auto percepção. Só é possível se apaixonar por alguém que se possa ver claramente. Incluindo-te a ti mesmo. Amar é ter olhos para ver. Só quando você ver a si mesmo claramente, poderá amar a si mesmo”.

O espírito dos ensinamentos de Marc, que acredito ser uma parte fundamental do discernimento no caminho espiritual é a descoberta das doenças generalizadas do ego e do auto engano que existe em todos nós. É quando necessitamos da boa vontade e apoio dos verdadeiros amigos espirituais. Enquanto enfrentamos nossos obstáculos para o crescimento espiritual, às vezes é fácil cair num sentimento de desânimo e perder a confiança no caminho. É preciso manter a fé em nós mesmos e nos outros, a fim de realmente fazer uma diferença no mundo.

Fonte aqui

sábado, 4 de abril de 2015

MARIA A. MOURA: Missão Cósmica Cumprida

MISSÃO CÓSMICA CUMPRIDA:
MARIA APARECIDA MOURA, SRC

A ÚLTIMA FOTO OFICIAL:
Maria A. Moura, F.R.C., entre o Imperator Christian Bernard, F.R.C.  (à esquerda) e o Grande Mestre Charles Vega Parucker, F.R.C., na XVIII Convenção Nacional Rosacruz, em Curitiba, Setembro de 2000.

Maria A. Moura organizadora e ex-Grande Mestre da Ordem Rosacruz AMORC no Brasil, passou  pela transição quarta-feira 4 de abril de 2001. Teve vida longa e proveitosa neste Plano e será para sempre lembrada, com esta frase: Missão Cósmica Cumprida. Na casa dos 80 e ainda demonstrando grande vigor físico e mental, proferiu palestra durante a Convenção Nacional da AMORC/Brasil realizada em fins do ano/século/milênio passado em Curitiba, durante a qual recebeu justa homenagem.

Exemplo de serviço altruístico, Maria A. Moura dedicou longos anos de sua vida ao esplêndido trabalho de levar a Luz Rosacruz por todo o Brasil, difundindo-a mais tarde  para todos os paises de Língua Portuguesa. Tendo desempenhado todas as funções que exerceu com galhardia e pioneirismo, tornou a AMORC conhecida de milhares de pessoas, que hoje se beneficiam do conhecimento e práticas do autêntico e tradicional misticismo Rosacruz.

AMORC foi estabelecida no Brasil em 1956, pelo então Presidente Mundial da Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis, Ralph M. Lewis. Com Maria A. Moura e José de Oliveira Paulo foi empreendida com vigor a tarefa de expansão do Rosacrucianismo em todo País. Dedicaram-se com expressivo ato de doação e voluntariado, trabalhando muito para que os membros pudessem estudar os profícuos ensinamentos esotéricos Rosacruzes em nossa língua. Como Grande Mestre da AMORC no Brasil, Maria A. Moura constituiu extensa e maravilhosa Biblioteca Rosacruz trazendo para a lingua portuguesa as obras do Dr. Harvey Spencer Lewis, seu filho Ralph e outros Mestres.

Gratificados por serviços prestados por esta ilustre personalidade, os Rosacruzes reuniram-se na noite da quarta-feira em que Maria A. Moura fez a Grande Iniciação para celebrar a cerimônia fúnebre Rosacruz e despediram-se de sua Ex-Grande Mestre  na quinta-feira dia 5 de abril às 10h da manhã, partindo o cortejo do Grande Templo da Ordem Rosacruz, à Rua Nicarágua 2620, no Bacacheri, para o Cemitério Jardim da Paz, no prolongamento da Avenida Anita Garibaldi, Barreirinha. Ficou uma certeza para todos: não existe morte, é apenas uma breve separação, persistindo para sempre o exemplo deixado, mais forte do que a saudade e servindo como alento.

Muito obrigado, Soror Maria A. Moura, por tudo o que a senhora fez pelos estudantes Rosacruzes. Devido ao seu trabalho pioneiro e abnegado muita gente em nosso País teve a oportunidade de encontrar a Luz, livrando-se das trevas da ignorância e da superstição.

Fonte: clique Aqui

sexta-feira, 3 de abril de 2015

INICIAÇÃO E CONTRA-INICIAÇÃO


INICIAÇÃO E CONTRA-INICIAÇÃO 
por René Guénon

Já dissemos alhures, que existe um fenômeno que poderíamos chamar de "contra-iniciação", ou seja, uma coisa que se apresentaria como uma iniciação e que até mesmo pode dar a ilusão de ser verdadeiramente uma iniciação, mas que segue o caminho inverso da verdadeira iniciação. 

Não obstante, comentamos, que esta designação exige algumas reservas; o fato é, que se tomássemos no sentido estrito, poderíamos criar a crença de uma espécie de simetria, ou por assim dizer de uma equivalência (ainda que no sentido inverso), que, sem duvida, forma parte das pretensões dos que se ligam  a aquilo que tratamos aqui, e que não existe e não pode existir na realidade. 

Sobre este ponto convém insistirmos especialmente, já que muitos, deixam-se enganar pelas aparências, imaginam que há no mundo duas organizações opostas que disputam a supremacia, concepção errônea que corresponde a aquela, que na linguagem teológica, põe Satã no mesmo nível de Deus, e que, com ou sem razão, se atribui comumente aos Maniqueus. 

Esta concepção, conforme assinalaremos em seguida, vem a ser, o mesmo que afirmar uma dualidade radicalmente irredutível, ou em outros termos, negar a Unidade suprema que está além de todas as oposições e antagonismos; uma negação assim, é tema dos mesmos aderentes a "contra-iniciação", e algo que não nos deve surpreender; mas isso mostra ao mesmo tempo que a verdade metafísica, até nos seus princípios mais elementares, é para eles totalmente estranha, e por isso sua pretensão se aniquila sozinho. 

Importa-nos assinalar, antes de mais nada, que, em suas próprias origens, a "contra-iniciação" não pode apresentar-se como algo que surgiu de forma independente e autônoma: se houvesse constituído-se espontaneamente, não seria nada mais que uma invenção humana, e não se distinguiria assim da pura e simples "pseudo-iniciação". 

Para que seja mais que isso, e de fato ela é, é necessário que, de certo modo, proceda da fonte única que se liga toda a iniciação, e, mais genericamente, a tudo que manifesta em nosso mundo num elemento "não-humano" procedente dela, se manifestando por uma degeneração que chega até a uma "inversão" que constitui aquilo que podemos chamar propriamente de "satanismo". Se vê pois que, de fato, se trata de uma iniciação desviada e desnaturada, e que, por isso mesmo, não tem direito de ser qualificada verdadeiramente de iniciação, posto que não conduz ao fim essencial desta, e inclusive faz distanciar o ser dela  em vês de aproxima-lo. 

Não basta pois, falarmos aqui de uma iniciação truncada e reduzida a sua parte inferior, como pode ocorrer também em certos casos; a alteração é muito mais profunda; mas há nela, entretanto, como dois estados diferentes num mesmo processo de degeneração. O ponto de partida é sempre uma rebelião contra uma autoridade legítima, e uma pretensão de uma independência que não poderia existir, como tivemos a oportunidade de explicar num outro momento(1); disso resulta imediatamente a perda do contato efetivo com um centro espiritual verdadeiro e, portanto, a impossibilidade de alcançar os estados supra-individuais; e, naquilo que todavia ainda subsiste, o  desvio não poderia ir mais que agravando-se seguidamente, passando por graus diversos, para chegar, nos casos extremos, até esta "inversão" da qual acabamos de falar. 

Uma primeira conseqüência disto, é que a "contra-iniciação", quaisquer que possam ser as suas pretensões, não é na verdade mais que um beco sem saída, já que é incapaz de conduzir o ser, a mais adiante da condição humana; e é neste estado mesmo, pelo fato de sua "inversão" que a caracteriza, desenvolve modalidades que são as de ordem mais inferiores. No esoterismo islâmico, se diz que quem se apresenta diante de certa "porta", sem ter chegado a ela por uma via normal e legítima, vê esta porta se fechando diante dele, e é obrigado a voltar atrás, porém, não como um simples profano, o que agora adiante é impossível, mas sim como sâher (bruxo ou feiticeiro). Não poderiam ter expressado com maior nitidez sobre aquilo que tratamos. 

Outra conseqüência, em conexão com a anterior, é que, ao fazer-se quebrada a conexão com o centro, a "influencia espiritual" se perde; e isto já basta para que mostre, que aqui não trata-se realmente de iniciação, posto que esta, como explicamos anteriormente, está essencialmente constituída pela transmissão desta influência. Não obstante há todavia, algo que se transmite, sem o qual, falaríamos de novo da "pseudo-iniciação" desprovida de toda a eficácia; mas não se trata mais de que uma influência de ordem inferior, "psíquica" e não "espiritual", e que abandonada dessa maneira, sem o controle de um elemento transcendente, toma de certo modo inevitavelmente um caráter "diabólico" (2)

É fácil compreender, entretanto, que esta influencia psíquica pode imitar a influência espiritual em suas manifestações exteriores, ao ponto de aqueles que se detém nas aparências, chegam a equivocar-se à respeito, pois a primeira origina-se na mesma ordem de realidade, na qual se produzem estas manifestações (não se diz proverbialmente, e num sentido comparável a este, que "Satã é o imitador de Deus"?); e que a imitam, poderíamos dizer ainda que da mesma forma, os elementos evocados pelo necromante imitam um ser consciente evocado no outro caminho(3)

Este fato, diga-se de passagem, demonstra que alguns fenômenos idênticos entre si, podem diferir completamente em suas causas profundas; e aqui se acha uma das razões pelas quais convém do ponto de vista iniciático, não conceder nenhum valor a tais fenômenos, porque, quaisquer que fossem, nada podem provar à respeito da questão da pura espiritualidade. 

Dito isto, podemos precisar os limites dentro os quais a "contra-iniciação" é suscetível de opor-se a verdadeira iniciação: é evidente que estes limites são os do ser humano com suas múltiplas modalidades; dito de outra maneira, a oposição não pode existir senão no domínio dos "pequenos mistérios", enquanto que o dos "grandes mistérios", que se refere aos estados supra-humanos, está por sua mesma natureza, além de tal oposição, pois este está inteiramente fechado a tudo o que não é conhecido como verdadeiro na iniciação, segundo a ortodoxia tradicional (4)

Ao que se refere aos "pequenos mistérios", haverá, entre a iniciação e a "contra-iniciação", esta diferença fundamental: numa, não será mais que uma preparação para os "grandes mistérios"; na outra, se tornarão forçosamente como um fim em si mesmos, ao estar proibido o acesso aos "grandes mistérios". Entretanto podem ter muitas outras diferencias com um caráter mais específico; mas não entraremos aqui nestas considerações de importância muito secundária, do ponto de vista no qual nos situamos, e que exigiriam um exame detalhado de toda a variedade de formas que pode revestir a "contra-iniciação". 

Naturalmente, pode ser que possam constituir-se centros nos quais estarão conectadas as organizações que dependem da "contra-iniciação"; mas se tratará de centros unicamente "psíquicos", e não de centros espirituais, ainda que aqueles possam, em razão do que indicávamos mas acima como ação das influencias correspondentes, tomar mais ou menos, completamente suas aparências exteriores. 

Por outra parte, não haveria que surpreender-se de que esses próprios centros, e não somente algumas das organizações que lhes estão subordinadas, possam encontrar-se, em muitos casos, em luta uns com os outros, porque o domínio no qual se situam é aquele no qual todas as oposições se dão em livre curso, quando não são harmonizadas e reconduzidas a unidade pela ação direta de um principio de ordem superior. 

Disto resulta que, pelo que concerne as manifestações desses centros ou dos que deles emanam, uma impressão de confusão e de incoerência que não é ilusória; eles não se põem de acordo mais que negativamente, e assim se pode dizer, para uma luta contra os verdadeiros centros espirituais, na medida em que estes se mantenham em um nível que permita que uma luta assim ocorra, ou seja, segundo o que acabamos de explicar, no que se refere ao domínio dos "pequenos mistérios" exclusivamente. 

Tudo o que se refere aos "grandes mistérios" está isento de tal oposição; e, com maior razão, o centro espiritual supremo, fonte e principio de toda iniciação, não poderia ser alcançado ou afetado em algum grau por nenhuma luta que fosse (e por isso se lhe chama "inacessível a violência"); isto nos leva a precisar todavia outro ponto que é de uma importância muito particular. 

Os representantes da "contra-iniciação" tem a ilusão de opor-se a autoridade espiritual suprema, na qual nada pode opor-se em realidade, pois é bem evidente que então não seria suprema: a supremacia não admite nenhuma dualidade, e uma suposição assim é contraditória em si mesma; mas a ilusão deles vem de que não podem conhecer sua verdadeira natureza. 

Podemos ir mais longe: apesar de tudo, sem saber eles estão na realidade subordinados a essa autoridade, do mesmo modo que, como dizíamos precedentemente, tudo está, mesmo que inconsciente e involuntariamente, submetido a Vontade divina, e nada pode subtrair-se disso. 

São pois utilizados, por mais que não queiram, na realização do plano divino no mundo humano; jogam nele, como todos os demais seres, o papel que convém a sua própria natureza, mas no lugar de serem conscientes deste papel como o são os verdadeiros iniciados, se enganam a si próprios, e de uma forma que é a pior que a simples ignorância dos profanos, posto que, no lugar de deixar-los de certo modo no mesmo ponto, esta tem por resultado deixa-lo mais longe do centro principal. 

Mas, considerando-se as coisas, não com respeito a estes próprios seres, mas sim em relação ao conjunto do mundo, deve dizer que, de igual a todos os demais, eles são necessários no lugar que ocupam, no entanto os elementos desse conjunto, e como instrumentos "providenciais", se diria em linguagem teológica, da marcha do mundo em seu ciclo de manifestação; estão pois, numa última instancia, dominados pela autoridade que manifesta a Vontade divina ao dar a este mundo sua Lei, e que o faz servir apesar disto para seus fins, devendo concorrer necessariamente em todas as desordens parciais da ordem total. 

Mesr, 11 Ramadâ 1351 H. [1933]. 

NOTAS: 
(1). Ver a Autorité spirituelle et pouvoir temporel. 
(2). Segundo a doutrina islâmica, é pela nefs (a alma) que Shaitan pode prender o homem, enquanto que pela rûh (o espírito), cuja essência é pura luz, está além de seus ataques; é entretanto por isso porque a "contra-iniciação" em nenhum caso poderia tocar o domínio metafísico, que lhe está proibido pelo seu caráter puramente espiritual. 
(3). A este respeito a nossa obra sobre L'Erreur spirite. (4). Se nos tem reprovado não haver tido em conta a distinção entre os "pequenos mistérios" e os "grandes mistérios" quando falamos das condições da iniciação; sucede que esta distinção não tem que intervir então, já que considerávamos a iniciação em geral, e que de outra parte não há nela mas que diferentes estados ou graus de uma só e mesma iniciação. 

Artigo publicado em "Le Voile d'Isis" e não recopilado posteriormente. Parte do conteúdo foi retomado no Reino da quantidade e os signos dos tempos, cap. XXXVIII. 

Se uma Ordem contra-iniciática se aproximasse de você e lhe propusesse filiação, você saberia, à luz desta lição, distingui-la de uma organização séria e identificar os riscos à sua vida?