A Gnose
Conselhos a um Neófito.
F. CH. Barlet
Pedes conselhos, caros amigos, sobre a senda na qual te encaminhas; é tão vasta e difícil que considero que te tenho precedido de muito pouco, Sem embargo vou dizer-te o que tenho percebido.
Suponho antes de tudo, que se tu aspiras à Iniciação é porque pertences àquela raça de homens que os antigos chamavam real, não pelo seu nascimento e sim porque eram aqueles que não se deixam entusiasmar pelos vãos progressos de nossa vida material. Sabendo que fonte perigosa de lutas sangrentas e degenerescência encobre sua sedutora abundância, preferem consagrar-se por inteiro ao verdadeiro papel do homem, que é uma participação cada vez mais ativa na vida divina e o sacrifício para o bem de todas as criaturas. A mesma iniciação verdadeira a que aspiras não é senão uma preparação a esta santa e difícil missão.
Se queres obtê-la impelido por outros sentimentos, o melhor conselho que posso dar-te é o de renunciar a ela. Mas não esperes de mim, tampouco, que possa fazer mais que indicar-te a direção até o umbral de um santuário no qual todavia não posso lisonjear-me de haver penetrado; não se chega a ele por outra parte a não ser por seus próprios esforços. Tudo o que posso fazer é indicar-te os obstáculos ou arrecifes que tenho encontrado no caminho.
Tu sabes de que fenômenos somos testemunhas ou até agentes; seja precavido contra sua atração. Ecos distantes da luta formidável que nos espera, os tomamos em seguida pelo canto do triunfo. Quando o jovem, ao entrar no mundo, se vê marchar a si mesmo à frente da tropa fardada para a parada e ao general e ao estado-maior todos cobertos de ouro e cheios de condecorações, seu coração se inflama de entusiasmo pelo estado militar, ele não imagina os rigores e desgostos da disciplina cotidiana, nem as ignóbeis carnificinas do campo de batalha, nem a morte obscura que, emboscada, lhe espera a cada passo, vergonhosa e repugnante. Nada percebe a não ser a ilusão fascinadora do poder e as aclamações da multidão. Não te deixes seduzir por semelhantes ilusões.
Desconfia, ainda mais do assombro que produzem em ti os fenômenos prodigiosos; é a tua própria alma que eles põem em perigo!
É preciso conhecer o fenômeno, observá-lo em detalhe, não descuidar nenhum, - e há grande variedade, - mas encará-lo sempre com sangue frio, recebê-lo sem emoção, tratá-lo mesmo com a maior reserva, quase sempre com desconfiança, por mais sedutor que seja. Se o fenômeno é o escravo do verdadeiro Mestre, é o mais perigoso inimigo do neófito, e o mais orgulhoso tirano que o adula e o debilita o quanto pode; os antigos, tu o sabes, o representavam pelo símbolo da Sereia de canto sedutor, emboscada nas margens mais encantadoras para devorar a sua jovem vitima no fundo das águas, imagem fiel do perigoso Astral.
Tentarei indicar-te a razão disso, mas não poderás conhecê-lo completamente a não ser através de teus estudos.
O prodígio te assombrará só se o confrontas com o tipo de forças desta Terra. Mas não é sem razão que estamos encerrados nela; sem nossa couraça de carne, sem os Limites infranqueáveis de nossa atmosfera, estaríamos constantemente expostos ao torvelinho das forças cósmicas e, se queres fazer uma idéia do que são, contudo ainda que imperfeita, consulte apenas nossa ciência astronômica todo principiante em esoterismo deveria começar com ela, porque entra em um vestíbulo onde as portas do Universo serão entreabertas para ele.
A força sempre inseparável da matéria, como dizem os positivistas podem sustentar sua existência condenada às custas da nossa, subtraindo-nos essa parte de nosso ser que tu chamas corpo astral, não há seduções, malícias, mentiras, que sua alta inteligência e sua perversidade não inventem para fazer-nos cair entre suas garras. Em nenhuma parte a terrível luta pela vida é mais implacável que nessa região do Astral que nos circunda imediatamente, e dela provem quase todos os fenômenos do pretenso ocultismo.
Apolônio de Tyana a define claramente em algumas palavras: "Aqui, discípulo, passam os demônios em meio das tumbas, e aquele que ai chega é detido, e a aparição dos demônios o enche de medo e estremecimento; trata-se, neste caso, da magia e de todas as práticas da goécia". E mais adiante: "Aqui, o que é preciso é calar-se, estar tranqüilo, porque aqui está o terror" .
Eis aqui o abismo que deves ultrapassar, antes de chegar à iniciação. Não te espantes demasiado, pois a virtude basta para preservar-te, mas recorda também que o orgulho é o erro que te fará cair nele mais facilmente.
Recorde constantemente que as práticas que o assim chamado ocultismo poderá revelar-te são artes muito difíceis e que necessitam tanta pureza, humildade e virtude quanto ciência árdua e ampla. A mais perigosa, a mais penosa de todas é a defesa contra as seduções do fenômeno. É o perigo que a tradição representa sob o símbolo do DRAGÃO DO UMBRAL: seu olho, que persegue o neófito, o fascina como o da serpente e o faz rapidamente cair na garganta do monstro. Se tiver ainda ocasião de falar dele no curso de teus estudos, me será muito fácil relatar-te exemplos dos quais tenho sido uma impotente testemunha.
Guarda-te, pois, de imitar o grande numero de ocultistas que verás em teu redor a entregarem-se, com toda a imprudência da ingenuidade ou do orgulho, a essas forças que, em lugar de temer, se comprazem em chamar sem conhecer nada de sua natureza. Considera sempre a esses ocultistas em teu pensamento como os discípulos imprudentes ou presunçosos de algum mestre na arte química: uma ou duas vezes lhes tem sido dado entrever suas demonstrações; impressionados pela singularidade de seus produtos, pelas cores variadas dos precipitados, pelas transformações instantâneas de seus compostos, pelas inflamações e explosões que as acompanham, têm reproduzido algumas, e isso lhes bastam para se crerem sábios como o mestre e para declararem-se, por sua vez, químicos eméritos e fazerem-se os chefes da escola. Eu estaria mesmo autorizado a dizer-te que mais de um não tem buscado essa semiciência a não ser para extrair dela venenos que os tornem senhores, segundo crêem, da humanidade.
Convence-te, pois, querido amigo, que todas as práticas chamadas ocultas, quando não são crimes verdadeiros e de uma vergonhosa covardia, representam artes que não são possíveis a não ser pelo preço de uma ciência transcendental e de uma verdadeira santidade.
Se queres ser digno delas, teu primeiro esforço, e por muitíssimo tempo, é o de trabalhar sobre ti mesmo para dominar os defeitos que a todos nos afligem: armar-te depois, o mais que possas, de todos os conhecimentos de nossas ciências positivas, demasiado freqüentemente descuidadas e até desdenhadas pelos estudantes do esoterismo, quando, pelo contrário, são indispensáveis e dedica-te depois ao estudo da Religião, no sentido mais verdadeiro e elevado da palavra, à inteligência de seus preceitos e de suas práticas, ao significado profundo de seus símbolos e de seus mistérios. Que a tradição a que te dedicas, seja qual for, seja o primeiro ponto de teus estudos; não tardarás a convencer-te, mais adiante, que as diferentes tradições encobrem todas numa só Verdade, piamente conservada e, desde o momento em que possas percebê-la, sua assombrosa majestade te recompensará então das inevitáveis lentidões do labor que te indico. Eis aqui o que chamamos Gnosis!
Ao buscá-la, encontrarás que doutrina pode acercar-te a ela mais rapidamente ou mais seguramente; não deixes de pô-la em prática; teme só o deixar-te extraviar pela superstição; é na Religião que está todo o verdadeiro Esoterismo; desde os tempos mais remotos é nos Templos que se conquista a Iniciação, porque ela tem por finalidade e por efeito o de abrir os mais sagrados Santuários somente àqueles que estão decididos a consagrarem-se à salvação da Humanidade, como humildes servidores da Divindade.
Fora dessa via difícil e vasta, poderás encontrar muitos chefes que se oferecerão a iniciar-te; poderás decorar-te a teu agrado com títulos tão pomposos e solenes quanto vãos; poderás acreditar-te chamado aos maiores destinos, à gloria das potências misteriosas e temíveis; poderás chamar-te um ocultista, mas não serás nunca um Iniciado.
Mas se, como desejo, perseverares com prudência no caminho vasto e difícil do estudo e da CARIDADE, espero que me bendigas um dia por ter te mostrado os perigos da prática e haver-te afirmado a necessidade do labor intelectual, humilde e silencioso. Tua juventude e teu zelo me dizem que poderás chegar um dia a essa Terra Prometida que apenas me está permitida entrever, por ter errado muito tempo em sua busca.
Esse artigo foi publicado no nr. 46 de "La Iniciacion", de fevereiro de 1946.
Colaboração: D.V.