O MUNDO SECRETO
PARTE 1 - Para uma compreensão do mundo das sociedades secretas
Por Remi Boyer
A sociedade secreta constitui um fenômeno universal. Presente desde a antigüidade, manifestando-se em todos os domínios da vida, quer seja a esfera política, a esfera econômica, a esfera militar, científica, religiosa, artística, notadamente literária, ou nesta que nos concerne a esfera da Tradição e do Ocultismo(1). No domínio político por exemplo, muitos dos movimentos políticos internacionais são nascidos nas ante-salas onde alguns obscuros desconhecidos se reúnem para mudar o mundo. No domínio artístico, certos círculos surrealistas funcionaram como sociedades secretas. A sociedade secreta empresta formas múltiplas, mais ou menos adaptadas aos tempos e aos espaços em que estão inseridas. Das crianças aos velhos, todos os elementos de nossas sociedades fizeram, ou ainda farão uso de uma sociedade secreta.
A sociedade secreta constitui o vetor habitual de manifestação do mundo do ocultismo, da Tradição, da Iniciação. Este mundo se interpenetra com todos os registros de expressões da natureza humana. O sublime costeia
o medíocre, o vulgar costeia a beleza, o horror, a verdade, a mentira, o conhecimento, em um paradoxo vivo que permite a emergência do Ser.
O Divino eleva-se mesmo no meio do vício. A fascinação do humano pelo secreto, sua tendência natural à auto-alucinação e ao maravilhoso recobriram a noção de sociedade secreta (SS) de um verniz de superstição e de crenças que tornam sua compreensão difícil. Nossa época moderna, pela multiplicidade de SS de pretensão iniciática, cujo exame demonstra não serem, nem secretas, nem iniciáticas, gerou uma confusão sem precedentes sobre o cenário já obscuro do ocultismo e atraiu a atenção, entre outros de pesquisadores tradicionais ou universitários (2), do grande público e dos jornalistas, como dos serviços governamentais da maior parte dos estados (3).
Tentaremos aqui fornecer alguns elementos de discriminação as numerosas pessoas que se interessam pelo ocultismo, tradições, ou mais freqüentemente pelas SS, afim de colocarem-se em condição de passar da confusão ao discernimento. A confusão permanecerá malgrado tudo, no geral e no particular, neste domínio, porque sem dúvida é ela indispensável para dissimular algumas SS de características verdadeiramente iniciática e desqualificar a massa dos curiosos ou dos desequilibrados que são atraídos por este tema. Citemos Lança del Vasto que descreveu perfeitamente a situação no prefácio do livro de Louis Cattiaux :“Le Message Retrouvé” (A Mensagem reencontrada):
“A conjuração dos imbecis, dos charlatões, e dos Sábios foi perfeitamente bem sucedida. Esta conjuração teria como objetivo de esconder a verdade. Uns e outros serviram esta grande causa cada um segundo seus meios; os imbecis por meio da ignorância, os charlatões por meio da mentira, os Sábios por meio do segredo.”
Nossa intenção é de fornecer àquele que procura não a felicidade, mas a libertação, o despertar, alguns índices suficientes para detectar as pistas autênticas como as vias sem procedência, e tirar proveito dos erros que não deixará de cometer, como todos os questores autênticos fizeram antes dele.
Ensaio de definição da sociedade secreta
Não será possível fornecer uma definição precisa e satisfatória de sociedade secreta. Diremos simplesmente que a sociedade secreta, no domínio tradicional, se caracteriza, não pelo segredo, não pelo caráter fechado ou clandestino, mas pelo rito. Entendemos por rito, a existência de um corpo doutrinal e de uma praxes iniciática. Esta não implica necessariamente de práticas rituais como temos, por exemplo, nas sociedades maçônicas, cavalheiresca, rosacrucianas.
Conhecidas, sobretudo pela presença de uma técnica do despertar, de libertação, precisa e verificável, veiculada no geral por um corpus doutrinal exprimido em um modelo de mundo particular no centro de origem da sociedade ( Hermetismo, Martinismo, budismo, shivanismo).
Semelhante definição restritiva, mas consoante com a Tradição, eliminaria a quase totalidade das autodenominadas sociedades secretas desconhecidas, por sinal, muito conhecidas.
Examinaremos, portanto o conjunto destas que são geralmente recobertas pela expressão “sociedade secretas”, à saber, toda organização que se apresenta como espiritual, esotérica, ocultistas, tradicional, iniciática, ou toda outra qualificação análoga.
Iniciação e sociedades secretas
Todas as sociedades secretas tradicionais se pretendem iniciáticas. Bem poucas as são, a maior parte entre elas assumem outras funções que não a iniciática, funções que apresentaremos posteriormente. A noção geral de iniciação envolve de fato vários níveis de lógicas, onde algumas não tratam de Iniciação em seu sentido esotérico.
Neste último sentido, a Iniciação é uma questão técnica. Trata-se da conquista de estados de seres não humanos, ou mais que humanos (4), ativando de fato e em realidades estes centros, chamados estrelas em certas escolas, rodas em outras, e mais freqüentemente de chacras, antes de proceder à uma série de separações (do corpo saturnino do corpo lunar, depois do corpo mercurial, até o corpo solar segundo o hermetismo) para a constituição final do corpo de glória (ou corpo crístico ou corpo arco-do-céu, etc...), atividade colocada em obra e desenvolvida por técnicas precisas, freqüentemente perigosas, de chamada de si, de alta magia, de alquimia interna, técnicas de acesso ao Ser ou Absoluto.
Aqui, a definição, ainda conforme a tradição é restritiva. Rejeitaremos a conhecida crença segundo a qual a “vida é iniciação”. Isto é sem dúvida verdade, mas necessitaria tratar-se de uma vida totalmente consciente e unificada. Sobretudo, este é um dos argumentos colocados antes por aqueles, muito numerosos, que inventam todo logro nos autodenominados sistemas iniciáticos com cadeias sucessórias remontando à antigüidade. Em um sentido mais largo e, entretanto mais aceitável iniciação é a ciência da mudança.
A verdadeira mudança, isto é a passagem de um nível lógico à um nível imediatamente superior comporta uma mutação, um salto, uma descontinuidade ou transformação, do mais alto interesse teórico, e da mais alta importância prática, porque permite deixar um mundo reconhecido como sombra, para entrar em um outro, mais “real”, mesmo que ele não seja a “Realidade”.
Os níveis lógicos devem ser reconhecidos e rigorosamente separados se desejamos evitar a confusão e usar do paradoxo para mais tempo de compreensão. Heráclito já havia ressaltado “a estranha interdependência dos contrários” que chamava de enantiodromia.
Quanto mais uma posição é extrema, mas é provável uma enantiodromia, uma conversão em seu contrário. A história das sociedades secretas é rica em comportamentos enantiodrômicos . De fato, na ausência da técnica real de iniciação, o indivíduo fica na impossibilidade de se elevar ao nível lógico (ou a-lógico) superior, passa a oposição de sua posição inicial. Ocorre que passar de um sistema à seu oposto não é uma mudança.
Isto ilustra, teoricamente, o mito ocidental segundo a qual, o iniciado deve se colocar para além das duas colunas opostas, situadas na entrada do santuário. Resulta disto que o iniciado que deve passar de um mundo “A” à um mundo “B”, imediatamente superior, somente saberia encontrar aquilo que produz a passagem no mundo “A” ele -mesmo, daí a necessidade de uma ingerência do sistema “B” no sistema “A”. Motivo, igualmente, da importância do discernimento, na verdade da sagacidade, no candidato à iniciação.
Esta noção de ingerência se exprime perfeitamente nas estruturas piramidais das SS, e na articulação natural que existe entre os três grandes tipos funcionais de SS.
...continua