Agarath
Ida Hoffmann e Henri Oedenkoven são dois famosos personagens do avant-garde anarquista, naturista, vegetarianista, da sociedade alternativa e do amor livre, exteriorizando este complexo estilo de vida em sua famosa Colônia Espiritualista, Naturista e Vegetarisnista Monte Verità. E, não obstante, estiveram envolvidos nos círculos ocultistas da idade aúrea do Ocultismo Ocidental.
A história da Colônia Monte Verità se inicia em 1899 a partir do encontro entre Henri Oedenkoven, rico herdeiro de um industriário suíço de Anversa, e Ida Hofmann, professora de música em um instituto russo de Cetinje, antiga capital de Montenegro (uma das duas atuais Repúblicas em que se divide a Iugoslávia).
Ida Hoffmann, nasceu na áustria em 1864. Era filha da Baronesa von Hoffmann da Transilvânia, e seu pai, segundo se diz, foi um dono de minas de carvão da Hungria, e engenheiro. Ela foi líder feminista, anarquista e professora de piano, além de ter sido co-fundadora da já citada Colônia.
Henri Oedekoven nasceu em 1875. Foi através de uma doença que ele adquiriu quando jovem, que tudo começou. Em sua iniciação sexual que foi patrocinada pelo seu pai (prática comum na época), ele acabou contraindo sífilis com uma prostituta. Na época tal doença era incurável, então ele tentou apaziguá-la através de terapias alternativas e do vegetarianismo, se tornando especialmente frugívoro. E enfim, diz-se que foi "curado" graças às ajuda de um médico homeopata de Leipzig. Mas tal experiência o despertou mesmo para um definitivo novo estilo de vida. Este novo estilo também foi abraçado por Ida Hoffmann, que se achava descontente com a futilidade da sociedade e com a própria educação rígida que recebeu.
Henri Oedenkoven e Ida Hofman, 1902
Eles então idealizaram fundar uma colônia baseada em um estilo de vida natural e libertário. Saíram em busca de um lugar ideal. Em novembro de 1900, Henri Oedenkoven e Ida Hoffmann, com o auxílio dos amigos Arthur e Karl Gräser (irmãos), Lotte Hattemer e Jenny Hoffmann (irmã de Ida, nascida em 1863), fundaram a Colônia Vegetariana e Naturista no famoso Monte Verità (A Montanha da Verdade), no Lago Maggiore, em Ascona na Suíça. O local já se chamava Monte Verità quando eles o habitaram, e deram o nome próprio do local à sua Colônia.
Este local também era conhecido como Ticino, ou a porção italiana da Suíça, cuja língua comum era o italiano, sendo a própria palavra Verità o correspondente italiano para "Verdade". O Monte Verità foi, antes mesmo da fundação da Colônia, assim chamado devido à idéia de que as grandes verdades se revelam nos topos dos montes (como por exemplo o Sinai).
O Ticino, foi o destino de todos aqueles que queriam realizar suas utopias. Já em 1869, o anarquista russo Michail Bakunin ali se estabeleceu, em refúgio político, querendo estabelecer ali uma sociedade anarquista, ou seja, sem regras. Em 1889, os teósofos Alfredo Pioda, Franz Hartmann (1838-1912) e a Condessa Constance Wachtmeister, também já haviam por ali desembarcado querendo fundar um convento laico com o nome de Fraternitás.
Ida e Oedenkoven afirmavam que "ante o fato de que as relações humanas estão dominadas pelo egoísmo, a aparência, o luxo e a mentira", era necessário "mudar nossas vidas para uma forma mais natural e saudável de existência".
Na colônia, além do vegetarianismo e naturismo, era praticado o amor livre e eles também se permitiam a vestir-se como quisessem, a deixar o cabelo crescer, a caminhar descalço ou com uma simples sandália, sem se preocupar com os padrões da época, uma verdadeira "Sociedade Alternativa", um paraíso sobre a terra. Mas porém o radicalismo as vezes colocava tudo a perder. Oedenkoven era extremamente radical em relação à prática naturista e vegetarianista, não tolerava qualquer atitude que escapasse a estas condutas, e muito menos o alcoolismo na Colônia. Embora a finalidade do movimento fosse a liberdade das tribulações e dificuldades da vida, e dos condicionamentos sociais, as atitudes radicais de alguns também colocavam em xeque a questão da liberdade. Ida e Oedenkoven mantiveram um matrimônio não oficializado. Encontrava-se em Oedenkoven o paradoxo entre o "mordeninho" libertário e o arrogante ditador.
No Monte Verità, as idéias de Karl Gräser, que propunha a reforma de vida sustentada em Emile de Jean Jacques Rousseau e nas idéias de Tolstoi, de que o homem deveria viver segundo seu próprio juízo, influenciaram o grupo. Seu irmão, o poeta e pintor, Arthur Gustav Gräser (que mais tarde teve Hermann Hesse como discípulo), e Jenny Hoffmann, irmã de Ida, foram os personagens mais radicais do grupo em relação à atitude libertária. Eu suponho que estes deviam bater de frente com Oedenkonven. Este, além de seus defeitos tinha também as suas qualidades, mas fica claro ao longo de sua trajetória de vida que as pessoas se aproximavam dele muito mais em razão de sua fortuna.
Monte Verità
Na Colônia, foram construídas rústicas cabanas, entre as quais: Casa Selma, Casa Aida e a famosa Casa dei Russi, onde, em 1905, habitaram os vários estudantes russos e que abrigaram Lenin, Trotsky e Kropotkin. Ida e Oedenkoven investiram muito capital na Colônia, mas tinham o sonho que de um tempo em diante todos poderiam se sustentar apenas do fruto da terra. Mas os radicais irmãos Gräser não gostavam nem mesmo deste "primeiro impulso" capitalista, mas quando os recursos começaram a faltar todos sentiram e as discussões se acentuaram ainda mais do que aquelas que dantes eram motivadas apenas por leves discordâncias ideológicas. Lá por 1905, foi construída a Casa Central, com refeitório, sala de música, de jogos, assim como espaços mais arejados onde se praticavam curas naturais. A Casa Annatta foi construída a partir do conceito teosófico de "Casa da Alma", e atualmente é um Museu que guarda a história desse grande centro místico e filosófico.
Casa Anatta
Outra irmã de Ida que morou no Monte Verità foi Julie Ferdinandine Hoffmann Brepohl (1869- ???), que veio a se casar com o escritor Friedrich Wilhelm Brepohl. F. W. Brepohl nasceu em 3 de abril de 1879, em Cartenberg, Essen, na Alemanha, e faleceu em Ponta Grossa, PR, Brasil. Era filho de Ludwig Brepohl e Louise (nascida Blum). Ele foi um pastor protestante, da Igreja Luterana, tanto na Europa quanto no Brasil, onde se fixou na Lapa e Ponta Grossa, ambas no Paraná. Neste país, Whilhelm Brepohl chegou a ser preso em Porto Alegre, acusado de Nazismo, ele era muito bitolado no Pangermanismo e de fato manteve relações estreitas com o Partido Nazista.
Quando foi morar em Locarno, Suíça, F. W. Brepohl exerceu a função de jardineiro, uma função braçal e subalterna, mas mesmo assim despertou a atenção da pintora Julie Hofmann, 10 anos mais velha do que ele.
Com Julie, também conhecida como Lily Hofmann, passou uma temporada no Monte Verità. Wilhelm nunca fez menção de como teria sido sua experiência nesta sociedade anarquista, um modo de vida totalmente avesso a seus ideais pangermanistas. Mas mesmo que por conveniência manteve contato com o casal anarquista Hofmann e Oedenkoven, estes que arcaram com as despesas da viagem de Wilhelm Brepohl e toda a família da Alemanha para Curitiba, no Brasil, em 1925, como veremos mais adiante.
Wilhelm e Julia vieram a se a se casar em 1903. Ela deixou de ser pintora para virar esposa de pastor. Eles tiveram cinco filhos ao total. A primeira filha, Emma Costet de Mascheville, nasceu em 10 de fevereiro de 1903, em Heimhausen, na Bavária, sul da Alemanha. Em 1906, seguiu para a Sérvia junto com os pais, e de lá; já com um irmão, foi a Hungria, onde seu pai iniciou a carreira de pastor evangélico, redator e escritor.
Devido a doença adquirida na juventude (Sífilis), Oedenkoven não podia ter filhos, assim Julie deixou que, em 1907, sua filha Emma, aos quatro anos, fosse morar com os tios. Esta sobrinha de Ida Hoffmann foi nada mais que uma das maiores astrólogas que o Brasil já conheceu. Emma Costet de Mascheville, também era conhecida como Dona Emy ou pelo nome mágico de Lorelair. Em 1911, Emma voltou a morar com os seus pais, aos oito anos. Em 1918, aos quinze anos, foi levada ao teatro pela primeira vez pelo amigo Hermann Hesse, em Munique. Hesse conheceu e se hospedou na Colônia justamente no mesmo ano em que a pequena Emma foi lá morar, devia ter um carinho especial pela menina.
É grande o emaranhado de coincidências... Por volta de 1916, Cedaior, o futuro marido de Emma, publicou o "Livro das Leis de Vayu", livro que chegou ao conhecimento de Ida Hoffmann através de seu amigo Roso de Luna. Assim, eles passaram a manter correspondência de 1916 a 1923 quando enfim se conheceram.
Cedaior, ou melhor Albert Raymond Costet, Conde de Mascheville, nasceu em 1º de setembro de 1872, em Valence, na França. Era Esoterista, músico e escritor. Entre uma longa biografia mística, Cedaior foi amigo pessoal de Oswald Wirth, assim como foi iniciado pelas mãos do próprio Papus. Ele é considerado o "Pai do Martinismo no Brasil".
Em 26 de Fevereiro 1910, Cedaior junto com sua primeira esposa e seu filho Jehel, foi para Buenos Aires, na Argentina. E foi morando na Argentina que ele manteve correspondência com Ida Hoffmann que no momento estava na Europa. Tudo tramava para que anos mais tarde todos se encontrassem todos no Brasil, como veremos mais adiante.
Em janeiro de 1916, o Monte Verità recebeu uma visita ilustre, era Theodore Reuss, que na época adotava o nome mágico de Frater Merlim Peregrinus, e que lá concentrou por um curto período todas as suas atividades e da O.T.O., ou Irmandade Hermética da Luz, como ficou conhecida na época, fundando ali a "Grande Loja Anacional e Templo Místico" da O.T.O., batizada como Loja 'Verita Mistica' (VM). Nesta época a O.T.O. sob a liderança de Reuss já sofria algumas influências de Crowley. A O.T.O. sob a liderança de Reuss já possuía ritos de Magia Sexual, a diferença é que a O.T.O. sob a liderança de Crowley foi totalmente reformulada aos moldes de Thelema, sistema mágico que Reuss em primeiro momento abraçou, mas que logo após abandonou (nos idos de 1921 quando já se encontrava com a saúde bastante abalada e nem tão operante na O.T.O., e ‘segundo’ Crowley desequilibrado). A Missa Gnóstica (Liber XV) de Crowley, por exemplo, foi escrita especialmente para a Igreja Gnóstica Católica de Reuss, em 1913, Missa da qual Reuss publicou um tradução para o alemão em 1918.
Ida Hoffmann pode ter sido iniciada na O.T.O., mas "não há" nenhum documento "confiável" que ateste a sua iniciação e/ou o seu grau. Assim se tornando a iniciação dela na O.T.O., sob a liderança de Reuss, mais uma lenda que muitos gostam de espalhar aos quatro ventos para justificar linhagens, mas sem nada "comprovar". Tais pessoas interessadas em justificar obscuras linhagens até mesmo afirmam que ela tenha fundado uma Loja da O.T.O. no Brasil, um completo absurdo, pois os que assim afirmam não conseguem nem ao menos traçar a rota de Ida Hoffmann no país, a qual como um pássaro livre estava uma hora aqui, outra ali, e infelizmente nem mesmo sua colônia naturista ela conseguiu reviver no Brasil. Já a biografia iniciática do seu amigo e colaborador Cedaior no país não é mistério para ninguém, todas as ligações dele com o Martinismo e a Igreja Expectante são inteiramente comprovadas. Assim, não haveria razões para haver evidências das atividades iniciáticas de um, e não haver evidências das atividades iniciáticas de outro. Ainda, tentam ligar Ida a Rudolf Steiner, que nunca foi iniciado na O.T.O.. Mas com ou sem iniciação na O.T.O. ou em qualquer outra ordem de renome, nada tira o brilho de Ida Hoffmann, este símbolo de Mulher libertária que transcendeu todas as barreiras de um época para exercer a sua legítima Vontade, sendo um exemplo de vida cujo valor título nenhum confere.
Entre 1913 e 1918 Rudolf von Laban (15.12.1879 — 01.07.1958) estabeleceu sua "Escola de Arte" no Monte Verità, sendo uma filial de sua escola original em Munique. Assim, nasceu a "Nova Dança", e Mary Wigman, Katja Wulff e Suzanne Perrottet tornaram-se alunas desta escola. O sucesso foi tanto que o Monte Verità recebeu a visita de ninguém mais que a famosa bailarina Isadora Duncan.
Em 22 de Janeiro de 1917, Reuss publicou um manifesto para a sua Loja "Verità Mystica". Na mesma data, ele publicou uma Constituição da O.T.O. revisada (baseada em grande parte na Constituição de 1913, de Crowley, para a M.·.M.·.M.·.), com uma "Sinopse dos Graus" e uma sinopse de "A Mensagem dos Mestre Therion" anexada.
De 15 à 25 de Agosto de 1917, Reuss organizou, no Monte Verità, o "Congresso Anacional para a Organização e Reconstrução da Sociedade em Práticas Linhas Cooperativas" sobre vários temas: Sociedades sem distinções nacionais, cooperativas, educação moderna, direitos das mulheres na sociedade do futuro, Franco-maçonaria mística, novas estruturas sociais e, por último, poesias, dança como uma arte, ritual e religião. Em 22 de agosto houve a leitura poema místico "The Ship" de Aleister Crowley pelo próprio, e também em 24 de agosto a sua Missa Gnóstica (Liber XV) foi recitada por Reuss. O ponto culminante do evento foi a apresentação da dança-ritual "Song to the Sun" (Canção para o Sol) executada pela Laban School of Dance, a escola de dança de Laban; eles dançaram do nascer ao pôr do sol..
Em uma carta não datada para Crowley (recebida em 1917), Reuss relatou excitadamente que ele leu "A Mensagem dos Mestre Therion" em uma assembléia no Monte Verità, e que ele estava traduzindo O Livro da Lei para o alemão. Reuss deixou o Monte Verità em alguma data antes de Novembro de 1918.
Quanto mais obtinha novos residentes, mais aumentavam, as discordâncias no Monte Verità, eram anarquistas fanáticos de um lado, burgueses rebeldes de outro, artistas alienados em mais outro, se tornando-se uma verdadeira panela de pressão. Não obstante, os habitantes das proximidades já começavam a rotular o lugar fundamentados em suas vis e letárgicas visões de mundo. A crise financeira, o modismo em que se tornou o local, os desentendimentos do grupo e inospitalidade da vizinhança, fizeram Hoffmann e Oedenkoven partirem mundo a fora na tentativa de fundar uma pacata colônia realmente naturista e vegetarianista, e vender o local para um trio de artistas, Werner Ackermann (Anversa 1892), Max Bethke e Hugo Wilkens, bancados financeiramente por William Werner, cunhado de Ackermann. Estes fizeram do local um hotel de negócios, e deram o início ao chamado "período expressionista" do monte Verità. O vegetarianismo e o anarquismo foram totalmente abandonados, e só houve lugar às manifestações artísticas descompromissadas com ideologias. Quando a crise bateu, o local foi novamente vendido em 1926 ao Barão Eduard von der Heydt, um banqueiro que capitalizou o local e o transformou em um hotel ainda mais pujante que o do antigo triunvirato, e que guardava as coleções de arte do Barão. Só depois da morte do Barão, em 1964, que a prática do nudismo foi totalmente abandonada no local.
Werner Ackermann, mais tarde, escreveu um livro sobre o Monte Verità, utilizado o nome Robert Landmann como pseudônimo.
Em 17 de Agosto de 1919, Cedaior fundou a Igreja Expectante em Buenos Aires, Argentina, sendo esta Igreja baseada no assim chamado "Cristianismo Esotérico". Sua liturgia é composta por influências cristãs, sufis e hindus. A Igreja Expectante seria mais uma manifestação da linhagem espiritual albigense da Igreja Gnóstica de Jules Doinel. Cedaior foi iniciado nesta Igreja pelo próprio Jules Doinel em 1893.
Em 1920, Ida Hoffmann emigra para a Espanha, Argentina e depois para o Brasil.
Atualmente o Monte Verità ainda é muito cultuado, tendo recebido ao longo da história os mais famosos iniciados, artistas, anarquistas, doutores e loucos, tais como os escritores Mircea Eliade, Gershom Scholem(Professor de Mística Judaica na Universidade de Jerusálem), o médico anarquista Raphael Friedeberg, os psicanalistas Otto Gross (futuro líder da Fraternitas Saturni, que lá desejou estabelecer uma universidade para a emancipação da humanidade, que a levaria ao retorno ao paraíso) , Carl Gustav Jung, et al. No ano 2000 foi amplamente comemorado no local o Centenário do Monte Verità. O local foi também, durante a Segunda Guerra, o refúgio de muitos artistas alemães que estavam em busca de mais humanismo. A comunidade do Monte Verità foi precursora de vários movimentos alternativos que existem atualmente.
No Brasil, Ida Hoffmann se estabeleceu na região do Palmital, há uns 30 km da cidade de Joinville, ambas em Santa Catarina. Este local, ao lado do Saí, na época já era famoso por ter sido colonizado por anarquistas franceses que lá tentaram levar em frente o utópico "Falanstério do Saí", liderado pelo médico homeopata Benoit Jules Mure, que foi a primeira e única tentativa de se fundar uma comunidade totalmente anarquista e auto-sustentável (falanstério) no Brasil. O falanstério não vingou devido a própria disputa entre o Saí e o Palmital, além da falta de infra-estrutura. Os franceses se dispersaram pelo Brasil e deste movimento acabou se desenvolvendo também as bases do Sindicalismo no Brasil.
Quando Ida Hoffmann chegou ao Palmital o Falanstério não mais existia, e "talvez" tivesse conhecido alguns remanescentes destes anarquistas franceses, que lá colonizaram, no próprio Monte Verità. Ida comprou 120 hectares de terra da Empresa Industrial Agrícola Palmital Ltda. (fundada em 1919 por outra leva de colonos franceses na região). Esta empresa se situava no Palmital, mas tinha sua sede administrativa, dirigida pelo Sr. Durval Wolf, em Joinville, talvez por isto os biógrafos de Ida errem ao dizer que Ida se fixou em Joinville. O Palmital hoje em dia se localiza na região de Garuva, cidade citada também em A Terra Oca de Bernard Raymond, como tendo grutas que levariam ao centro da Terra.
No Palmital, Ida tenta criar uma nova colônia naturista e vegetarianista no seu assim chamado "Monte Sol". Para estabelecer tal colônia ela contou com o apoio de Cedaior. Cedaior deixou a Argentina e veio morar no Brasil em 1923, se estabelecendo no Palmital, onde Ida Hoffmann já aguardava por ele. Ela havia, por correspondência, conseguido com que Cedaior se comprometesse a ajudá-la na fundação de sua nova colônia.
Fontes martinistas afirmam que eles tinham a ajuda de um jovem alemão chamado Tuitenhof, encarregado de vigiar as plantações de arroz e cortes de madeira. Porém, o jovem fazia muito mal o seu serviço. Assim, Peregrina e Cedaior se viam obrigados a trabalhar na colônia de dia e fazer apresentações nos cafés da cidade à noite, pois eram respectivamente pianista e violinista. Em tal época ela tinha ela 60 anos e ele 51, e mesmo assim se achavam cheios de disposição, típica de pessoas vegetarianas.
Ainda, em 30 de Novembro de 1924, chegou ao Brasil, Leo Alvarez Costet de Mascheville, filho de Cedaior com sua primeira esposa. Ele, também conhecido como Jehel ou Swami Sevananda, veio acompanhado de sua mulher que atendia pelo nome místico de Lotusia. Ambos também teriam estado no Monte Sol.
Apesar de ser localizado no sul do Brasil, o local onde estava localizado o Monte Sol era muito quente, e este clima, aliado ao solo acidentado do Palmital, tornou a convivência deles ali insuportável. E assim todos partiram adiante com destino ao Paraná.
As mesmas fontes martinistas afirmam que Ida Hoffman era também conhecida como Peregrina, por ter tido uma grande amizade com Reuss (Merlim Peregrinus), mas não relatam sobre a veracidade de sua iniciação na O.T.O., não apresentam qualquer legítima Carta-Patente1 e não mencionam qualquer loja da O.T.O.2 que ela tivesse montado no Brasil, a qual provavelmente, se ela tivesse realmente montado, teria sido no sul do país3, e disso não há qualquer evidência. Porém, como já observado acima, relatam todas as atividades de Cedaior com riqueza de detalhes. O razoável é pensar que se Ida Hoffmann esteve envolvida com alguma atividade mística no sul do país, foi com as atividades ligadas a Cedaior, ou seja, com o Martinismo e com a Igreja Expectante.
Embora também não seja totalmente provável que Ida tenha se envolvido profundamente no Martismo e nas idéias de Cedaior. Penso que Ida sonhava tão apenas com uma colônia naturista e vegetarianista, mas alguns martinistas atuais classificam o Monte Sol como uma tentativa de se formar uma "Colônia Olímpica e Naturista". Olímpica porque se referia à Sexta Raça-raiz, da Criança da Luz, a raça da Novo Era, segundo a filosofia do "Cristianismo Esotérico" de Cedaior. Daí dá para se concluir que a Igreja "Expectante" de Cedaior tem como característica a espera e observância do advento desta Criança da Luz.
As teorias de Cedaior tinham um cunho racista, o que não condizia com a característica anarquista de Ida. Não se sabe até que ponto Ida aceitava as teorias de Cedaior. Este vivia sonhando com a utopia de uma raça perfeita, chegando a redigir "Doutrina Neo-ariana - Leis do Matrimônio", onde defende que para o estabelecimento da nova raça não se deve haver união entre parentes, por remotos que sejam, nem a união com pessoas que não sejam da raça branca (excluindose totalmente a união com a raça escura e desdenhando dos afro-latino-americanos, incluindo os afro-brasileiros, etc), que de preferência morassem no Oeste da América, segundo ele, única parte do continente capaz de salvação!. Seu filho, Jehel, justifica que a cor branca é exigida pois a cútis da vindoura 6a Raça será "branco-azulada". Tudo isto relatado no livro O Mestre Philippe de Lyon. Baseado no conceito desta 6a Raça, Cedaior escreveu o seu Livro das Leis de Vayu (outro nome para a Ilha de Páscoa), e fundou sua já citada Igreja Expectante. Cedaior em seus devaneios chegava mesmo a afirmar que no sul da Argentina havia índios de olhos claros e de cabelos quase loiros... Teorias lamentáveis para alguém com tanta cultura e capacidade de realizar boas obras, como também as deixou. Ainda há quem diga que Crowley se resumia a um louco pervertido, em Thelema, "Todo homem e toda mulher é uma Estrela"!!!
Também uma profunda relação entre o Martinismo e a Igreja Expectante, com a O.T.O. se torna improvável. Embora ambas tenham raízes na Igreja Gnóstica de Jules Doinel, é difícil imaginar o gnosticismo da Igreja Expectante, baseada no Cristianismo Esotérico, se utilizando da Missa Gnóstica de Crowley (um ritual explicitamente thelêmico), Missa esta que Reuss já adotava desde 1913 em sua Igreja Gnóstica Católica, um considerável tempo antes mesmo dele ter estado no Monte Verità, e só deixou de adotar em 1921, época em que já estava doente e inoperante na O.T.O., e assim não substituiu a Missa por nenhuma outra. Como visto mais acima, neste tempo a O.T.O. liderada por Reuss não era uma ordem aos moldes de Thelema como é hoje, mas já tinha algumas consideráveis influências. Reuss de qualquer forma, e como dito anteriormente, era envolvido com o Tantra (ou Magia Sexual), motivo pelo qual ele, assim como Crowley, eram renegados pelos Maçons. Reuss e os Martinistas só teriam em comum o trabalho com o Rito de Memphis-Mizraim.
Em 5 de julho de 1925, F. W. Brepohl e toda a família vieram para o Brasil, ele foi enviado pelo Departamento de Missões para o Exterior da Igreja Evangélica Alemã, que pretendia expandir o pangermanismo pelo mundo, mas financiado por Ida Hoffmann, a rica cunhada anarquista.... O desejo de Brepohl era assumir uma paróquia em Buenos Aires, mas talvez por imposição de Ida Hofmann (que desejaria ter a irmã próxima de si), seu destino foi Curitiba, onde Ida estava morando na época. As razões de sua partida não são muito claras, no livro Pangermanismo e Nazismo no Sul do Brasil, escrito por sua descendente, é cogitado que seria por ele ter se endividado e perdido boa parte da herança de Julie (chamada de Julia, no livro) num empréstimo feito a um amigo.
Assim, ocorreu o grande encontro. Emma e Julie se reencontram com Ida. E, finalmente, Emma e Cedaior se conheceram em 10 de julho, ela com 22 anos de idade, e se casaram novembro do mesmo ano, na Lapa, no Paraná. Ela assim se tornou a segunda esposa de Cedaior. Foi com Cedaior que ela começou o seu estudo da astrologia, e por conseqüência acabou se tornando uma das maiores astrólogas do Brasil, tendo em vida calculado cerca de 10.000 horóscopos e sido Mestra de toda uma geração de astrólogos neste país, pelos quais é lembrada com carinho. Oedenkoven, assim como os Brepohl, e talvez juntos, só chegou ao Brasil em 1925.
Wilhelm Brepohl e família se fixaram na Lapa e depois em Ponta Grossa. Emma seguiu seu caminho agora com o marido.
Em Curitiba, Ida e Cedaior conheceram o poeta e filósofo Dário Vellozo (de nome mágico "Apolônio de Thyana"), com o qual o Cedaior já mantinha anos de correspondência. Os três aparecem juntos em uma famosa fotografia, encontrada no raro livro O Mestre Philippe de Lyon, escrito por Jehel, em quatro volumes. Nela, Ida está ao piano, Cedaior de pé tocando seu violino, e Dário Vellozo sentado. A foto foi tirada na Biblioteca do "Templo das Musas" do Instituto Neo-Pitagórico de Vellozo. Tal instituto também se baseava no conceito "olímpico" de Cedaior.
Ainda em 1925, Emma, Cedaior, Lotusia, Jehel, Ida e Oedenkoven mudaram-se para a cidade de Cristalina, em Goiás, nas terras compradas por Oedenkoven, onde tentaram fundar uma nova colônia naturista e espiritualista. Oedenkoven teria concluído que o Planalto Central seria o melhor local para fundar a nova colônia. Mas como se o destino quisesse brincar com Ida Hoffmann, a sua tentativa de recriar uma colônia aos moldes do Monte Verità falha novamente, pois após uma grande enxurrada tiveram grandes perdas materiais e até mesmo as bibliotecas de livros de nossos personagens foram devastadas. Também é dito que Oedenkoven deixou de dar apoio material para a colônia.
Em 1926, temendo as situações precárias para o parto do primeiro filho deles, Emma e Cedaior retornaram à Lapa, no Paraná. Ida e Oedenkoven permaneceram em Cristalina, e a partir daí o destino deles é incerto, mas sabe-se que ela faleceu em São Paulo em 1926. Jehel e Lotusia também lá permaneceram até pagar as dívidas. Cedaior ainda participou de vários outros eventos de natureza mística, e faleceu em 1936, aos 72 anos de idade.
Emma ainda casou-se novamente em 1944, com o astrólogo e egiptólogo Walter Pery Klippel, publicou um belo artigo na Revista Planeta em 1975, participou do 1o Congresso Nacional de Astrologia na década de 70 e publicou o seu famoso livro "Luz e Sombra" em 1980. Em "Luz e Sombra", ela faz uma inédita apresentação da relação dos 12 signos do zodíaco com os 12 apóstolos na Santa Ceia de Leonardo da Vinci. Teve vários filhos do primeiro e do segundo casamento. Faleceu em 27 de dezembro de 1981, aos 78 anos de idade.
Em entrevista à Revista Planeta, de junho de 1980, ao ser perguntada sobre quem seriam as pessoas mais importantes na sua vida além de Cedaior ela diz: "Meu pai, minha mãe. Todas as pessoas com quem eu convivi através de meu pai, especialmente, minha tia, Ida Hoffmann, que fundou a ‘Comunidade do Monte Verità’."
Ida Hoffmann, foi autora de obras tais como "A Contribution to the Female Question" (Uma Contribuição à Questão Feminina); "The Importance of True Theosophy" (A Importância da Verdadeira Teosofia); sendo esta última em italiano; compilou algumas notas conhecidas como "Notes Towards the Promotion of the Vegetarian Lifestyle" (Notas para a Promoção do Estilo de Vida Vegetariano); e também escreveu junto com Henri Oedenkoven um livro em alemão sobre o Monte Verità..
A história de Ida Hoffmann se confunde com a história de diferentes correntes, intimamente com a do Martinismo no Brasil e da assim chamada Igreja Expectante e seu Cristianismo Esotérico; e por um brevíssimo período com a da O.T.O.. Também, o seu famoso Monte Verità entrou para história e se consagrou como grande centro místico, artístico e filosófico; foi líder feminista, pianista, naturista e vegetariana, mas antes de tudo foi ela mesma, e marcou a história como uma mulher que ousou, rompeu barreiras, sensível e ao mesmo tempo lutadora, lutou até o fim pelos seus ideais e para exercer a sua Verdadeira Vontade.
Notas:
No começo dos anos de 1960, e somente aí, um tempo bem afastado ao da estadia de Reuss em Ascona, Hermann Joseph Metzger, envidando esforços para legitimar sua "O.T.O." Suíça, forjou uma Carta-Patente em nome de Ida Hoffman, Clara Linke "et socii" para a Suíça, as declarando 33°, 97°, e "X° O.T.O.", cuja assinatura de Reuss não confere. É engraçado pensar o que uma pretensa Xº da O.T.O. estaria fazendo na região norte de Santa Catarina, na época um lugar tão pitoresco, dentre colonos tão indolentes, como os definia o próprio Jehel...
O período de menos de dois anos em que Reuss e a O.T.O. estiverem instalados no Monte Verità seriam insuficientes para deixar por lá Iniciados de tão alto gabarito como querem alguns.
No sul do país no caso de Santa Catarina e Paraná, não há evidências que ela teria morado no Rio Grande do Sul, Emma e Cedaior só foram morar no Rio Grande Sul na década de 30.
Referências Bibliográficas:
History of Monte Verità — por Marina Fraccaroli.
El cielo en la tierra — Marcela Sánchez (www.jornada.unam.mx/2001/mar01/010325/sem-monte.html).
Revista Planeta- Edição 33, junho de 1975.
Revista Planeta- Edição 93, junho de 1980.
Extinta página: www.emascheville.na-web.net/inicial.html - onde havia uma pequena biografia de Emma, escrita por seu filho Aor Costet de Mascheville.
Biografia de Theodore Reuss — por Frater T.Apiryon.
O Martinismo no Brasil — do site O Cristo Cósmico.
Breve histórico sobre o Martinismo no Brasil (http://www.sca.org.br/artigos/abhmb25.htm).
O Mestre Philippe de Lyon, volume II- por Sri Sevananda Swami (Leo Alvarez Costet de Mascheville).
Pangermanismo e Nazismo — A Trajetória Alemã Rumo ao Brasil- Marionilde Dias Brepohl de Magalhães. 1998.
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