segunda-feira, 30 de agosto de 2010

MARTINISMO - PARTE I






Texto adaptado do livro Sociedades Secretas da Europa, a ser publicado pela editora Via Occidentalis.



A época: dezembro de 1940. O lugar: Paris, França, em plena época da ocupação nazista alemã. O momento: o fim de um dia como outro qualquer. Ou nem tanto assim, uma vez que, no bairro conhecido como Quartier Latin (ou Quarteirão Latino), alguns homens se reúnem num quarto de um bloco de apartamentos. 



Estão no andar superior de uma velha construção, datada do século XVIII. Procuram não se deixar incomodar pelo exército alemão nem pelos agentes do Governo de Vichy, o fantoche nazista.



É uma época negra para as sociedades secretas. Os policiais do governo possuem ordens para caçar e interromper qualquer atividade que envolva qualquer tipo de irmandade, com ameaças de interrupção das atividades e prisões para os acusados. Mas nada disso parece impedir o intento daqueles homens.




Numa mesa, coberta por uma “tríplice toalha” nas cores preta, branca e vermelha (símbolo dos Três Mundos) vemos uma espada cujo brilho banha o Evangelho de São João, colocado sob a luz de três velas, dispostas em triângulo. O iniciador, parcialmente encoberto pela fumaça perfumada do incenso que segura com as mãos, traça o chamado Sinal Misterioso. Mais adiante pode ser vista outra vela, cujo castiçal encontra-se na frente de outros dois símbolos, um cordão e uma máscara. Tudo é muito arriscado e mistura-se ao medo de ser descoberto a qualquer momento. 



Mesmo assim prosseguem com a cerimônia de iniciação de uma tradição que, já naquela época, era considerada antiga, o Martinismo.



O iniciador recita então as palavras do Sacramentário, uma espécie de ladainha que visa ser, segundo alguns textos, a ponte que deve unir os vivos e os mortos. Todos os presentes passam a sentir como se o recinto estivesse de fato cheio de pessoas:



“Recebei, Senhor, de acordo com a promessa do Filósofo Desconhecido, nosso Mestre, a homenagem feita neste lugar, pelos vossos servos aqui presentes! Que possa esta Luz Misteriosa iluminar nossos espíritos e nossos corações, como previamente iluminou ao Trabalho de nossos Mestres! Possa este archote iluminar, com a sua luz brilhante, os Irmãos reunidos em Vosso nome. Que a presença dele possa indicar um vivo testemunho de sua União Delineada nos mínimos detalhes da cerimônia conduzida, em toda a sua magnitude”.



Nessa hora um dos assistentes posiciona a máscara, símbolo do Silêncio e Discrição, sobre a face do Iniciando, enquanto um segundo o veste com uma capa, símbolo da Prudência, e um terceiro ata o cordão, símbolo da “Corrente de Fraternidade”.



O ritmo do ritual é lento, mas segue sem problemas. Depois que o novo irmão é consagrado e realiza-se a consagração de seu nome esotérico, que será conhecido apenas por aqueles que fazem parte da Ordem, a cerimônia chega ao fim com estas palavras:



“Possa você, meu irmão, justificar as palavras do Zohar: Os que possuem a Divina Sabedoria, brilham como faíscas dos Céus, mas aqueles que a transmitem a outros Homens vão brilhar como Estrelas, por toda a Eternidade”.



O Iniciador e o Iniciado voltam-se então para a vela solitária no canto, que simboliza a vigília constante dos Mestres do Passado. Novas palavras são apresentadas:



“Irmãos, eu vos apresento (nome do iniciado), ‘Superior Incógnito’ de nossa Ordem e eu lhes peço que o aceitem entre nós”.



Todo o trecho descrito acima foi de fato utilizado pelos Martinistas durante os terríveis anos de ocupação dos nazistas. Nota-se, logo de cara, certas semelhanças ritualísticas com outras ordens vigentes hoje em dia, incluindo a Antiga e Mística Ordem Rosacruz (AMORC). 



Duvida? Basta uma pequena pesquisa num sistema de buscas da Internet e poderemos constatar que qualquer lista de Martinistas famosos inclui pelo menos dois imperators (o termo é grafado dessa maneira mesmo) da AMORC, Ralph Maxwell Lewis (1904-1987) e Christian Bernard (1951 até os dias de hoje).



Mas quem são esses Martinistas? Comecemos por definir o movimento em si, considerado uma das sociedades secretas que mais cresce nos dias atuais. 



O Martinismo é uma tradição mística que se iniciou na França do século XVIII por obra e graça de Louis-Claude de Saint-Martin (1743-1803), um nobre libertado pelas forças locais durante a Revolução Francesa para que se tornasse professor. Era uma pessoa interessada em espiritualismo, tratamentos magnéticos, invocações mágicas e nos trabalhos de Emanuel Swedenborg, um suíço que se definia como místico cristão e que também era filósofo e cientista.





Os trabalhos de Saint-Martin atraíram toda uma gama de admiradores, que logo se reuniram em grupos, batizados de “Amigos de St. Martin”, o embrião dos Martinistas. Hoje ainda se fala bastante do Martinismo graças à influência que sua filosofia e ensinamentos tiveram em Ordens como a Aurora Dourada.



O mentor de St. Martin foi Martines de Pasqually (1710-1774), fundador da “Ordem dos Cavaleiros Maçons Elus Cohen do Universo”, praticantes da Teurgia (palavra derivada do termo grego Theou Ergon, “O Trabalho de Deus”), que teve influência do Orfismo. Foi lá que, no final de 1768, tornou-se iniciado nos três primeiros graus simbólicos pelo avô do escritor Honoré de Balzac.



Após a morte deste, St. Martin adotou Jacob Boehme, (1575-1624), um filósofo e místico alemão, como seu novo mestre. Afastou-se então da Teurgia e dedicou-se a outros estudos, iniciando várias pessoas em seu próprio grupo de seguidores, conhecido como Sociedade Íntima ou de Amigos. Após sua morte, em 1803, tanto a iniciação descrita no começo deste capítulo quanto outros de sues ensinamentos foram propagados por pequenos grupos. 



Em 1888 dois estudantes de medicina seriam iniciados nessas tradições e se tornariam responsáveis por unir os Martinistas. Augustin Chaboseau (1868-1946), ocultista e historiador, e Papus (Gerard Encausse, 1865-1916), um dos responsáveis pela popularização do esoterismo. 



Os dois criaram a Ordem Martinista original que, em sua fundação, contava com 21 membros. Papus foi então eleito primeiro presidente e grão-mestre da Ordem. Sob seus cuidados a sociedade cresceu rapidamente e, no começo do século XX, contava com centenas de membros em vários continentes. A ponto de, em 1905, o último Czar da Rússia, Nicolau II, convidar Papus para ir até Tsarskoïe Selo, o palácio dos czares, a fim de pedir conselhos sobre o tratamento com os revolucionários bolchevistas.



O fim



Papus morreu no campo de batalha durante a Primeira Guerra Mundial enquanto cumpria suas obrigações como médico. Os Martinistas perderam no conflito vários líderes e, no período após o fim do conflito, a Ordem estava extinta e os membros sobreviventes seguiram por direções diferentes, originando diversos sub-movimentos.



Alguns membros franceses, por exemplo, acreditavam nas reivindicações de Karl Wilhelm Naundorff (relojoeiro alemão, um dos muitos malucos que se apresentaram como sendo Luís XVII, o filho perdido de Luís XVI e Maria Antonieta, mortos na Revolução Francesa). Esses dissidentes se juntaram ao movimento pela Sinarquia, que pregava o poder coletivo do governo, para formar a Ordem Martinista e Sinárquica (Ordre Martiniste et Synarchie ou OMS).



Em 1931 três membros do supremo conselho original da Ordem de Papus, Augustin Chaboseau, Victor-Emile Michelet e Lucien Chamuel juntaram-se para revitalizar a ordem original. Para diferenciar essa nova versão da antiga batizaram-se de Ordem Martinista Tradicional (Ordre Martiniste Traditionnel ou OMT). É em 1939 que Ralph Maxwell Lewis, da AMORC, é escolhido pela OMT para levar o Martinismo para os Estados Unidos.



Hoje a OMT ainda existe na Europa. Seu ramo norte-americano também se encontra em atividade, embora esteja reservado apenas a membros da AMORC. Com a Internet os Martinistas tradicionais encontraram um meio de rápida propaganda e hoje crescem com uma rapidez surpreendente.



Além das ordens descritas acima são conhecidas ainda outras derivadas, listadas no quadro abaixo:



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