domingo, 29 de agosto de 2010

Jalal ud-Din Rumi






"Apesar de reverenciado nos últimos 700 anos como uma das maiorees expressões da poesia em todo o mundo islâmico (persa, árabe, turco, urdu), Rumi só se tornou conhecido no Ocidente a partir do início do século passado, quando apareceram na Alemanha as primeiras traduções de excertos do Masnavi e do Divan de Shams de Tabriz,  empreendidas por Joseph van Hammer Purgstall. Tais traduções inspiraram Goethe a escrever o fascinante Divan do Ocidente e do Oriente, em 1815, imitando o estilo de vários autores árabes e persas. Traduzo aqui o poema em que Goethe parafraseia Rumi, provavelmente a primeira homenagem (e ainda a mais ilustre) de um poeta ocidental à arte deste. O leitor poderá avaliar até que ponto conseguiu o poeta de Weimar captar a estética e a espiritualidade de Rumi, contrastando-o com os poemas de Divan de Shams de Tabriz que apresento.

Se te apegas ao mundo,
como um sonho ele voa;
se foges, o destino cruel
cerca o espaço em que te moves:
nem calor nem frio
és capaz de reter,
e tudo que para ti floresce
em breve há de fenecer."



Encontro de Almas

Vem.
Conversemos através da alma.
Revelemos o que é secreto aos olhos e ouvidos.

Sem exibir os dentes,
Sorri comigo, como um botão de rosa.
Entendamo-nos pelos pensamentos,
sem língua, sem lábios.

Sem abrir a boca,
contemo-nos todos os segredos do mundo,
como faria o intelecto divino.

Fujamos dos incrédulos,
que só são capazes de entender
se escutam palavras e vêm rostos.

Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.

Como podes dizer à tua mão: "toca",
se  todas as mãos são uma ?
Vem, conversemos assim.

Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma.
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.

Vem, se te interessa, posso mostrar-te.


O Desejo é um Ídolo

O amor não vive na ciência ou na instrução,
não habita papéis ou pergaminhos.
O assunto do vulgo
não há de ser o caminho dos amantes.

O ramo do amor antecede a eternidade
e suas raízes vão além do eterno.
Essa árvore não se apóia no mar ou na terra
nem sobre qualquer coluna.

Depusemos a razão
e traçamos um limite à paixão,
pois a majestade do amor não se conforma
a tal razão ou tal costume.

Enquanto sentires desejo,
sabe que cultuas um ídolo.
Quando se é realmente amado,
cessa de vez o espaço para as carências do mundo.

O marinheiro está sempre na prancha
do temor e da esperança;
Idos prancha e marinheiro,
nada resta além do mergulho fatal.

Shams de Tabriz, és de uma só vez mar e pérola,
e teu ser nada menos que o segredo do Criador.


A Evolução da Forma

Toda forma que vês
tem seu arquétipo no mundo sem-lugar.
Se a forma esvanece, não importa,
permanece o original.

As belas figuras que viste,
as sábias palavras que escutaste,
não te entristeças se pereceram.

Enquanto a fonte é abundante,
o rio dá água sem cessar.
Por que te lamentas se nenhum dos dois se detem?

A alma é a fonte,
as coisas criadas, os rios.
Enquanto a fonte jorra, correm os rios.
Tira da cabeça todo o pesar
e sorve aos borbotões a água desse rio.
Que a água não seca, ela não tem fim.

Desde que chegaste ao mundo do ser,
 uma escada foi posta diante de ti, para que escapasses.
Primeiro foste mineral;
Depois te tornaste planta;
e mais tarde animal.
Como pode ser isso segredo para ti ?

Finalmente foste feito homem,
com conhecimento razão e fé.
Contempla teu corpo – um punhado de pó –
 vê quão perfeito se tornou !

Quando tiveres cumprido tua jornada,
Decerto hás de regressar como anjo;
depois disso, terás terminado de vez com a terra,
 e tua estação será o céu.

Passa de novo pela vida angelical,
entra naquele oceado,
e que tua gota se torne mar,
cem vezes maior que o Mar de Oman.

Abandona este filho que chamas corpo
e diz sempre "Um" com toda a alma.
Se teu corpo envelhece, que importa ?
Ainda é fresca tua alma.