terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

À Conversa com... Raymond Bernard




Raymond Bernard nasceu no dia 19 de Maio de 1923, na região de Isère, na França. Formou-se em Direito pela Faculdade de Grenoble, e desde cedo se ligou ao misticismo e à Tradição. Perpetuador de grandes tradições ocidentais, desempenhou nestas cargos da mais elevada responsabilidade. Foi autor de diversos livros de cariz esotérico e iniciático, entre os quais: Encontro Secreto em Roma, Encontros com o Insólito, O Império Invisível, O Corcunda de Amsterdão, e As Mansões Secretas da Rosa Cruz.

Com o tempo, Raymond Bernard delegou as suas funções para os mais novos, afastando-se de todas as actividades exteriores. Dedica hoje os seus dias à meditação e ao estudo, e procura a paz e o repouso, na companhia da sua adorável esposa Yvonne.

Um encontro... insólito?

Foi nos arredores de Paris, na sua residência, que fomos encontrar Raymond Bernard. Fomos agradavelmente recebidos num encontro que, de certa forma, também ele foi insólito... Insólito pois não é todos os dias que temos o privilégio de encontrar uma pessoa como Raymond Bernard, que marca pela sua humildade, e cuja sabedoria só é tão grande quanto a sua simplicidade. É a marca dos Sábios...
Conversámos acerca da situação difícil que o mundo atravessa, acerca do propósito da cavalaria, e claro, do papel de Portugal neste novo milénio, bem como do Futuro... a Nova Era.

A situação actual do mundo

Lusophia – O que pensa da situação actual do mundo?

R.B. – A situação actual do mundo é, evidentemente, o problema fundamental de uma modificação terminal de uma Era para uma Era nova, na qual, em princípio já nos encontramos, mas que não está completamente instalada.
Esta situação é difícil, é uma adaptação, não apenas de um continente, mas do mundo inteiro. E se repararmos no que se passa, não podemos dizer que as coisas acontecem apenas num lugar determinado.
Antigamente, no Passado, na Era que terminou, havia guerras, dificuldades, que se resolviam sempre através de conflitos armados. Na Era actual, já não existem verdadeiras guerras, no sentido que era atribuído a esta palavra no Passado, apesar de haver sempre lutas por parte de certos grupos em relação a outros. Mas no tempo actual, o enorme problema com que se debate a humanidade, é o terrorismo, que é uma forma de guerra total, porque o terrorismo atinge qualquer lugar em qualquer momento. E aqueles que são conhecidos como opositores de uma certa situação e que, desta forma, se agrupam para cometer os actos, vão causar sofrimento não apenas aos estados, mas também às populações, às famílias, e aos seres individualmente.
E tudo isto forma o tempo difícil em que nos encontramos e que deverá, necessariamente terminar dentro de algum tempo. Mas ainda estamos neste período de dificuldades.

Lusophia – Podemos considerar que existe um paralelismo entre a Idade Média e os nossos dias?

R.B. – Em graus extremamente diferentes, sim. Em graus diferentes, não apenas no tempo, mas igualmente do ponto de vista da civilização, do ponto de vista da compreensão. Mas se olharmos para os próprios actos, são idênticos, com meios muito mais avançados, meios mais avançados em comparação com o que já foi e não no sentido do avanço da civilização. As coisas são diferentes, mas os meios utilizados são sempre os mesmos.

A Cavalaria do III milénio – A Cavalaria Espiritual

"A Cavalaria deve ser, em primeiro lugar, uma testemunha. (...)
É preciso agir, não apenas como exemplo, mas intervir quando é preciso."

Lusophia – No Passado, os cavaleiros galopavam a cavalo, e estavam armados de espadas... Pensa que é possível manter o ideal de cavalaria no início deste século?

R.B. – Com certeza. Os ideais não são relativos a um determinado tempo. São permanentes, eternos, embora compreendidos de forma diferente, captados de forma diferente. Mas, na realidade, são sempre os mesmos ideais, os mesmos grandes princípios. E a partir do momento em que estes grandes princípios sejam aplicados, a Terra tornar-se-à um lugar paradisíaco, um paraíso. Mas ainda estamos longe disso, porque os homens, mesmo apesar do avanço desde há tanto tempo, não trouxeram grandes progressos. Houve-os em relação a uma civilização materialista. Há meios que foram utilizados e que ainda o são, e haverá outros, e os tempos que se aproximam serão mais avançados ainda, mas do ponto de vista da própria civilização, da grande compreensão à qual o homem aspira, as coisas ainda não chegaram a bom termo. Tudo é conduzido por baixas paixões, por dinheiro, pela necessidade de bens, pela luta de interesses, e dito de outra forma, por numerosas manifestações do egotismo e do egoísmo também.

Lusophia – Na sua opinião, qual é o papel da Cavalaria Espiritual na Nova Era?

R.B. – O seu papel é o mesmo que no Passado. A Cavalaria deve ser, em primeiro lugar, uma testemunha. Os grandes valores, a realidade, as grandes qualidades da cavalaria estão lá e presentes, mas por outro lado, não chega estarem presentes. É preciso agir, não apenas como exemplo, mas intervir quando é preciso. E isto é extremamente importante.
A Cavalaria, os seus objectivos, não mudam nunca. Revestem-se de novos termos, mas mantêm-se os mesmos. E a grande via, a grande, grande via da Cavalaria, a que contém todas as outras possibilidades, todas as outras regras, foi exprimida uma única vez através de termos muito claros “Amai-vos uns aos outros”. Porque, todas as dificuldades com que nos deparamos são devidas ao facto das pessoas não se amarem umas às outras.
Fala-se do egoísmo, do amor do poder, do amor pelo dinheiro, que é exactamente o oposto da regra que queria que os homens se amassem uns aos outros.
A humanidade forma uma unidade através da qual esta regra fundamental é aplicada.

Portugraal... o País-Templo

"Portugal deve manter-se uma via no mundo actual."

Lusophia – Podemos dizer que Portugal é um país nascido dentro dos ideais de Cavalaria, com os Templários que tiveram um papel muito importante na sua formação. Pensa que Portugal terá um papel a desempenhar nesta Nova Era? Há muitas pessoas que falam do V Império. O que pensa acerca disto?

R.B. – Sempre considerei Portugal como O País, desde que está formado como o conhecemos actualmente, quer dizer, Portugal tal como o conhecemos. E ainda poderíamos procurar no passado esta mesma verdade. Sempre considerei que Portugal era um local de Testemunho e de Luz, não apenas o porto de Paz, mas também de Tradição, o local de uma morada onde estão guardados os bens mais preciosos, por aqueles que têm de os guardar. Falo, naturalmente, dos portugueses e daqueles que se lhes juntam com sinceridade, daqueles que vêm a este país com amor por ele. E Portugal, sempre o disse, durante anos e anos em que tive responsabilidades exteriores, Portugal mantém-se esse lugar santo onde devem estar e onde serão guardados os grandes princípios que formam aquilo a que se chama, sob um termo que é, penso eu, restritivo, o V Império, quer dizer, o estado mais evoluído que a Terra conhece ou virá a conhecer. Aqui está o que eu queria dizer sobre este assunto.

O Futuro...

Lusophia – E o Futuro?

R.B. – O Futuro? O Futuro está nas mãos dos homens. É preciso que os homens tomem consciência daquilo que são. Existem as grandes vias que se elevam no mundo actual, seja qual for o lugar, quaisquer que sejam as responsabilidades, sejam elas religiosas, culturais ou científicas. Mas essas grandes vias ainda não estão suficientemente compreendidas e voltamos sempre à ideia de que existe um lugar onde estas vias têm mais significado, em relação ao futuro, do que deve ser instalado, do que falámos há instantes, de Portugal. E Portugal deve manter-se uma via no mundo actual, uma via que testemunha, que não dá um aviso, mas que relembra os grandes e verdadeiros princípios. E há muito respeito, bastante respeito no mundo em relação a Portugal.

"Todas as dificuldades com que nos deparamos
são devidas ao facto das pessoas não se amarem umas às outras."

É preciso não esquecer a missão que Portugal desempenhou no passado. Portugal foi, no Passado, o grande - e emprego este termo com um sentido nobre - o grande colonizador no mundo. Foi ele que levou para o exterior o conhecimento dos grandes valores do tempo actual e depois, como alguém que cumpriu a sua função, que pensa tê-la bem cumprido, regressou a casa, tranquilamente e está à espera, está lá e observa. Penso que os portugueses deviam aperceber-se disso. Penso que, certamente, se apercebem disso.

Alexandre Gabriel
Tradução do Francês por Ana Maria Oliveira
Fotografia por Ana Rita Borges (na edição impressa)

Fonte: http://aeterna.no.sapo.pt/lusophia/lusophia35-rb.htm